Resumo Jurídico
O Uso da Posse Alheia sem Oposição: A Tollere do Artigo 1208 do Código Civil
O artigo 1208 do Código Civil estabelece uma regra fundamental sobre a posse e sua relação com atos que, em princípio, poderiam ser considerados invasão de propriedade. Ele dispõe que "Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância".
Compreendendo a Permissão e a Tolerância
Em termos jurídicos, a permissão e a tolerância se referem a situações em que o proprietário de um bem (seja ele imóvel ou móvel) consente, de forma expressa ou tácita, que outra pessoa o utilize ou ocupe, sem que isso configure um direito para quem está utilizando.
- Permissão: Geralmente, implica um consentimento mais direto, uma autorização concedida pelo proprietário. Por exemplo, permitir que um vizinho use seu terreno como atalho temporário.
- Tolerância: Refere-se a uma conduta mais passiva do proprietário, onde ele se abstém de impedir um uso que, de outra forma, poderia ser coibido. Um exemplo seria não se opor a que alguém estacione ocasionalmente em uma pequena parte do seu terreno, sem que haja um acordo formal.
Por que Esses Atos Não Induzem Posse?
A lógica por trás do artigo 1208 é garantir que a posse, que é um direito reconhecido e protegido pelo ordenamento jurídico, seja adquirida de forma legítima e não por mera liberalidade ou inércia do proprietário.
Se permitíssemos que atos de mera permissão ou tolerância gerassem posse, haveria um risco enorme de que proprietários perdessem seus direitos sobre seus bens por não serem rigorosamente vigilantes ou por serem excessivamente benevolentes. O uso de um terreno para estacionar esporadicamente, por exemplo, não deveria conferir ao "usuário" o direito de reclamar posse sobre ele no futuro.
A Importância da Distinção
A distinção entre posse e atos de mera permissão ou tolerância é crucial em diversas situações, como:
- Usucapião: Um dos modos de aquisição da propriedade pela posse prolongada (usucapião) exige que a posse seja mansa, pacífica e ininterrupta, e, mais importante, que não seja decorrente de atos de mera permissão ou tolerância do proprietário.
- Ações Possessórias: A proteção possessória (interditos possessórios) visa defender quem tem a posse de fato contra turbações ou esbulhos. Um ato de mera permissão não é considerado uma turbação, pois existe o consentimento do proprietário.
- Obrigações e Direitos: A posse implica um conjunto de direitos e deveres sobre o bem. Atos de permissão ou tolerância não criam esse vínculo jurídico completo.
Conclusão
Em suma, o artigo 1208 do Código Civil protege o proprietário de ter sua posse sobre seus bens questionada ou perdida em decorrência de atos de liberalidade ou de sua própria inércia em impedir um uso não autorizado de forma definitiva. O uso de um bem sob permissão ou tolerância do proprietário é uma situação precária, desprovida do animus domini (intenção de ser dono) e, portanto, incapaz de gerar a posse jurídica que levaria à aquisição de direitos sobre o bem.